sábado, 22 de setembro de 2007

Estudo analisa a economia venezuelana na era Chávez

Não é por louvável prudência que o imperialismo e a burguesia sempre traçam os cenários mais negros sobre a economia dos países revolucionários e anti-imperialistas: é uma opção de classe, com o objetivo claro de desacreditar, aos olhos das massas, a opção revolucionária dos povos. A propaganda e os noticiários dos media repetem agora a receita no caso da Venezuela, apesar da realidade claramente os desmentir.

Por Mark Weisbrot e Luís Sandoval*

A Venezuela experimentou um crescimento bastante rápido, depois de ter tocado no fundo na recessão de 2003, tendo atingido uma taxa de crescimento de 10,3 por cento em 2006. A opinião mais generalizada sobre a expansão econômica atual do país é que se trata de uma grande bonança petrolífera” estimulada, como no passado, pelos altos preços do óleo, e que vai a caminho da “bancarrota”. Acredita-se que este futuro colapso econômico será resultado da queda que, em qualquer momento, terão os preços do petróleo, ou de uma má política econômica do governo.

Existe uma enorme quantidade de evidências que contraria essas conclusões. O crescimento econômico da Venezuela sofreu uma grave queda nas décadas de 80 e 90, depois do pico do seu Produto Interno Bruto (PIB) real em 1977. Nesse sentido, a sua situação é idêntica à da região considerada no seu conjunto, que desde 1980 registrou o seu pior desempenho de longo prazo em matéria de crescimento econômico, em mais de um século. Hugo Chávez Frias foi eleito em 1998 e assumiu a presidência em 1999, e os primeiros quatro anos da sua administração foram marcados por uma grande instabilidade política que afetou negativamente a economia. Isso culminou com um golpe de estado militar que derrubou transitoriamente o governo constitucional em abril de 2002, e foi seguido por uma devastadora greve petrolífera que se estendeu de dezembro de 2002 até fevereiro de 2003. A greve petrolífera precipitou o país numa severa recessão econômica, no decurso da qual a Venezuela perdeu 24% do PIB.

Mas esta situação política começou a estabilizar no segundo trimestre de 2003, e continuou a estabilizar-se ao longo de todo o período atual de expansão econômica. A economia teve um crescimento contínuo e acelerado desde o início da estabilização política. O PIB real (quer dizer, corrigido pelos efeitos da inflação) cresceu 76% desde o ponto mais baixo da recessão em 2003. É provável que as políticas fiscais e monetárias expansionistas, bem como os controles sobre o tipo de mudança aplicados pelo governo, tenham contribuído para o presente auge econômico. A despesa do governo central incrementou-se em 21,4 por cento do PIB em 1998 a 30% do PIB em 2006. As taxas reais de juro de curto prazo foram negativas durante praticamente todo o período de recuperação econômica.

As receitas do governo cresceram ainda mais rapidamente que a despesa nesse período, passando de 17,4% a 30% do PIB no mesmo período, deixando o governo central com um orçamento equilibrado para 2006. O governo estimou com base em previsões conservadoras o preço do petróleo: por exemplo, para 2007, as bases orçamentais previram um preço médio de US$ 29 por barril de petróleo, que é 52% menos que o preço médio do óleo vendido no ano anterior. Em geral, o governo excedeu a despesa em relação ao planificado, já que os preços do petróleo foram mais altos do que o estimado, mas se os preços do petróleo caírem, é possível que a despesa também contraia.

No entanto, a Venezuela tem uma enorme almofada de reservas a qual pode recorrer, no caso e uma queda dos preços do petróleo começar a diminuir as suas finanças. Uma queda dos preços do petróleo de 20% ou mais poderia ser absorvida com as reservas internacionais oficiais, que hoje ascendem a US$ 25,2 bilhões e são suficientes para cancelar quase toda a dívida externa do país. Este número não inclui outras contas do Estado venezuelano no exterior, que se calculam atingirão mais 14 a 19 mil milhões de dólares. Com uma dívida externa relativamente pequena (14,6% do seu PIB), o governo podia, inclusive, aceder aos mercados de crédito internacionais no caso de uma queda do preço do petróleo. Por outro lado, não parece muito provável que, num futuro próximo, os preços do petróleo venham a cair. O prognóstico de curto prazo publicado em 10 de Julho pela Agência de Informação sobre Energia prevê preços de petróleo de US$ 65,56 por barril para 2007 e US$ 66,92 para 2008. Aparentemente, o risco de alterações bruscas imprevistos na oferta é, mais que qualquer outro – especialmente no volátil Médio Oriente – que esta se contraia, induzindo um aumento dos preços e não a sua queda.

Aspectos sociais

O governo de Chávez incrementou muito significativamente a despesa social, tanto na saúde como na alimentação e educação. O contraste mais agudo é nas atenções de saúde. Por exemplo, em 1998 havia 1.628 médicos exercendo atenção primaria a uma população de 23,4 milhões de habitantes. Hoje há 19.571 para uma população de 27 milhões. O governo venezuelano também ampliou enormemente o acesso a alimentos subsidiados. Em 2006, houve 15726 estabelecimentos em todo o país que comercializaram alimentos a preços subsidiados (possibilitando uma poupança média de 27% e 39%, em comparação com os preços de mercado de 2005 e 2006 respectivamente).

A despesa oficial do governo central cresceu exponencialmente, passando de 8,2% do PIB em 1998 para 13,6% em 2006. Em termos reais (corrigidos os efeitos inflacionários), a despesa social por pessoa aumentou 170% no período 1998-2006. Mas isso não inclui a despesa social da empresa estatal venezuelana, Petróleos da Venezuela SA (PDVSA), que ascendeu a 7,3% do PIB em 2006. Se a incluirmos, a despesa social representou 20,9% do PIB em 2006, o que representa pelo menos 314% mais que em 1998 (em termos de despesa social real por pessoa).

O índice de pobreza diminuiu rapidamente, passando do valor máximo de 55,1% em 2003 para 30,4% em 2006 – como se podia prever, face ao rápido crescimento econômico que se registrou nos últimos três anos..

Se compararmos o índice de pobreza antes de Chávez (43,9%) com o de fins de 2006 (30,4%), verifica-se uma queda de 31% do índice de pobreza. No entanto, este índice não leva em linha de conta o acesso alargado à saúde e à educação a que os pobres passaram a ter acesso. As condições de vida da população pobre, portanto, melhoraram significativamente mais do que o indica a substancial redução da pobreza refletida no índice oficial d pobreza, que apenas mede recebimentos monetários efetivos. Também caiu substancialmente o índice de desemprego desde 1998, passando de 44,5% a 49,4% a população ativa.

O que vem pela frente

Os principais desafios que enfrenta a economia andam à volta da taxa de câmbio e da inflação. A moeda venezuelana está bastante valorizada. O governo tem relutância em desvalorizar, porque isso aumentaria a inflação – que atualmente se situa nos 19,3%, o que supera a os objetivos governamentais. Dado que existem controles sobre o tipo de câmbio e o governo conta com um grande superávit na conta-corrente (8% do PIB), não há nada que possa obrigar a uma desvalorização num futuro próximo (como ocorreu, por exemplo, quando entraram em colapso as moedas argentina, russa e brasileira no final da década de 1990). Mas este sim, representa um problema a médio prazo, já que ainda que a inflação esteja estabilizada e inclusive comece a baixar, o ritmo atual da inflação continuará a apreciar o tipo de câmbio real da moeda venezuelana (Bolívar). Isto faz com que as importações fiquem artificialmente baratas, e que as exportações não petrolíferas sejam demasiado caras nos mercados mundiais, afetando o sector de bens comerciais, tornando-se potencialmente numa situação insustentável. Além disso, isto dificulta imenso a diversificação da economia e a possibilidade de romper com a dependência do petróleo.

Hoje, a inflação ascende a 19,4%, e este é um problema, ainda que, seja importante assinalar que as taxas de inflação de dois dígitos num país em desenvolvimento como a Venezuela não podem ser comparáveis com o mesmo fenômeno transferido para a Europa ou os Estados Unidos da América. A inflação na Venezuela foi muito maior nos anos anteriores aos governos de Chávez, alcançando taxas de 36% em 1998 e 100% em 1996. Caiu ao longo da maior parte da atual fase de recuperação, passando de 40% anual em fevereiro de 2003 (comparando com o mesmo mês do ano anterior) – precisamente no pico da greve petrolífera – a 10,4% há um ano, antes de subir novamente para o índice atual. Nos últimos três meses parece ter estabilizado nos 19,4%.

Devido ao seu grande superávit na conta-corrente, à suas grandes reservas em moeda estrangeira e à pequena dívida externa do país, o governo dispõe de ferramentas para estabilizar e reduzir a inflação – tal como para, eventualmente, ajustar a moeda – sem ter que sacrificar o crescimento da economia. Além de outras metas, tudo parece indicar que o governo está decidido a manter uma taxa de crescimento alta. Por isso, hoje não há sinais que sugiram que a atual expansão econômica, nos anos mais próximos, esteja a chegar ao fim.

* Mark Weisbrot é economista e co-diretor do Centro de Investigação Econômica e de Políticas (Center for Economic and Policy Research - CEPR), em Washington. Luis Sandoval é investigador-assistente do mesmo Instituto.

Este texto é o resumo que antecede estudo realizado pelos autores a respeito do tema.

Tradução de José Paulo Gascão

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